quarta-feira, 15 de junho de 2011




Há melhor do que isso?
ROSTOS DE ALEGRIA

[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Tinha saído de Luanda rumo ao interior, tomando a estrada de Catete. A nova circular em redor da capital, bem como alguns atalhos, facilitaram a saída, mas o sol já ia bem alto nesta manhã quando me desviei para uma larga picada e tomei rumo ao Golungo Alto. Foi em Maria Teresa. Do lugar, não guardo sequer recordações, mas o nome nunca esqueci. Lembrou-me logo a minha Mãe, que tinha uma velha amiga chamada Maria Teresa. A minha Mãe morreu sem que alguma vez tivesse visitado África. O meu Pai também. Mas enquanto que a minha Mãe era uma apreciadora da velha cultura francófona europeia e morria de amores por Paris, Lyon — ou não fosse a capital da Cuisine Française de que tanto gostava — Florença e Veneza, tenho a certeza de que o meu Pai teria gostado tanto como eu de conhecer todos os lugares por onde tenho andado. E Angola é um dos países de África que melhor conheço. Entro na picada a pensar neles. E a pensar que nunca lhes contarei esta viagem. Absorvido nestes pensamentos, nem que dei conta dos quilómetros a passar, rolando a bom ritmo nesta estrada de terra, larga e de bom piso, que equipas de trabalhadores chineses preparavam já para receber um tapete de asfalto. Provavelmente, agora já se chega ao Golungo Alto em alcatrão e ainda mais depressa do que neste dia, já lá vai um ano, mais coisa, menos coisa.
Então, depois de sair da estrada de Luanda, só voltei a avistar asfalto quando entrei na rua principal de Golungo Alto. Eram horas de almoço e não havia sequer uma mesa vaga na sala do antigo restaurante da praça central, num recanto do jardim público. Nem precisava. A jornada ainda nem estava a meio e parar para almoçar seria correr o risco de terminá-la pela noite dentro, desperdiçando uma oportunidade preciosa de contemplar estas paisagens, a caminho de terras de Malange.
Contentei-me com uma sanduíche de carne, daquelas que antigamente se serviam nas tascas de província, em que a carne não cabia sequer no pão. Uns anos antes, em Angola esta sanduíche seria um autentico banquete. Mas agora não, essa escassez tão dura e tão longa que acompanhou décadas de guerra já não passa de uma memória, que ninguém quer recordar.
Por isso, desta manhã de viagem, guardo alguns rostos de alegria que me fizeram encostar na berma e conversar. Essas sim, são recordações mais fortes do que a paisagem, até porque nem sempre pude apreciá-la devidamente, pois o trânsito na picada era constante, deixando o caminho submerso numa densa núvem de poeira.
Primeiro, foi uma família, bem africana: uma mulher ainda na casa dos 40, a filha mais velha, com talvez metade de idade, e os três filhos desta, um deles ainda bebé, que dormia amarrado às suas costas com uma capulana colorida, enquanto a Mãe enchia vasilhas de água numa fonte à beira da estrada. Quando perguntei à mais velha se ela é que era a Maria Teresa riu-se tanto que contagiou toda a família. Os dois miúdos, que brincavam na lama, quiseram espreitar a máquina fotográfica e ficaram encantados com a sugestão de lhes fazer uma fotografia. Como quase sempre, o retrato de famíla saíu muito solene, mas eles adoraram!
Mais adiante, junto de uma aldeia, assim que parei fiquei rodeado de crianças. Eram bem alegres e não paravam de correr. Desafiei-as para uma corrida, que registei com a câmara, para eles depois verem. Parecia um filme, comentou uma delas...
Finalmente, mesmo à entrada do Golungo Alto, ao parar para deixar passar a caravana do 5º Raid T.T. Kwanza Sul, rapidamente tinha uma multidão de crianças à minha volta. E assim que viram a máquina, pediram em cor para “filmar”: “Pai, filma eu!” — diziam. E eu filmei. Ou melhor, fotografei, porque era disso que se tratava e não propriamente de fazer um filme, como as máquinas fotográficas de última geração conseguem também fazer. A sessão foi interminável. Mas divertida. Muito mesmo. E todos aqueles rostos alegres ganham vida quando volto a olhar para estas fotografias. O meu Pai teria gostado de vê-las. Para a minha Mãe, arranjava outro motivo de conversa...