domingo, 11 de abril de 2010


Um paraíso perdido no sul de Angola…
ONDE NEM AS VACAS
RESISTEM A IR À PRAIA


[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Assim que o sol desperta, nem é preciso que o calor aperte para os portugueses começarem a invadir as praias. Num país onde jamais estamos a mais de 200 quilómetros em linha recta de uma praia qualquer — e há mais de 800 km delas, para todos os gostos —, mais do que uma atracção irresistível, ir à praia é, realmente, um prazer quase que banal. Tantas praias, tão agradáveis e tão acessíveis faz de Portugal um óptimo destino de veraneio, embora as águas frias do Atlântico possam refrear esse entusiasmo às epidermes mais sensíveis. A quantidade de belas praias que rodeiam Lisboa faz da capital portuguesa e da sua área metropolitana uma zona residencial privilegiada, quando comparada com a esmagadora maioria das outras capitais europeias. Mas, se o que procuramos numa ida à praia é sossego, apenas nos dias de Inverno e de mau tempo teremos a certeza de que o encontraremos nas fantásticas praias à volta de Lisboa, pois quando o sol brilha forte, até os dias de trabalho são convidativos para preguiçar na praia, quanto mais aqueles em que não se trabalha. Esses dias, como este domingo soalheiro e bem quente, onde à hora do almoço o termómetro subiu aos 30 graus centígrados em Lisboa, são obrigatórios para uma ida à praia.
Como eu nunca gostei que me obrigassem a nada, só até à adolescência me era indiferente se encontrava a praia deserta ou apinhada de gente. Ir à praia era o importante e nada mais contava. Depois, outras coisas passaram a contar e fui-me afastando das praias portuguesas sobretudo quando passei a viajar pelo mundo fora e a descobrir praias onde não se vê ninguém, nem sequer uma pégada no areal, algumas até que muito poucos olhos contemplaram, para já nem falar daquelas onde a água refresca, mas não congela. Não que isso seja o mais importante, porque como nunca fui friorento, nunca desejei ardentemente aquelas praias banhadas por águas quentes. Aliás, algumas experiências que já tive em praias dessas foram horríveis, como nos Emirados Árabes Unidos, onde só pelas três horas da madrugada a água do mar atingia uma temperatura tépida, capaz de provocar uma sensação refrescante no corpo…
Viajar frequentemente permitiu-me começar a sentir um prazer quase perverso: ir à praia algures do outro lado do mundo, enquanto em Lisboa faz um frio de rachar. Nem imaginam os pensamentos maliciosos que ao longo dos anos me têm ocorrido quando, a molhar os pés na água de uma praia qualquer, mas garantidamente sem ninguém por perto, ou quase ninguém, recordo que nesse momento em Lisboa chove imenso e faz frio. Quanto mais chuva e mais frio, mais rico me sinto por desfrutar esses momentos na praia. E então se em Lisboa for a hora de ponta, este prazer de estar na praia torna-se mesmo pecaminoso, pois ponho-me a imaginar como estará o trânsito: caótico, impossível ou desesperante. E eu ali, com os pés cheios de areia, só a escutar o mar a desfazer-se contra a praia. Que maldade!
Esse hábito de ir à praia quando toda a gente não vai surgiu-me das viagens. Das viagens a Angola, quando mesmo no tempo do cacimbo, os 24 graus que arrefeciam quem vivia em Luanda a mim, pelo contrário, aqueciam-me imenso e não resistia a ir para a praia. Apanhava boleia da carrinha que levava as tripulações da TAP Air Portugal e lá ía para a ilha de Luanda, para a praia da contra-costa, estendendo a toalha quase na ponta, diante das ruínas do célebre Barracuda — mais tarde reabilitado e, depois, novamente desaparecido. Os meus amigos de Luanda achavam-me meio esquisito e perguntavam repetidamente se eu não tinha frio. Não, não tinha.
Com o passar dos anos, fui descobrindo novos lugares com praias admiráveis para ir molhar os pés, para mergulhar de cabeça, quando em Lisboa sair à rua sem um casaco quente seria loucura. Malásia, Filipinas, Tailândia, São Tomé e Príncipe, Brasil, Chile, até Marrocos, Mauritânia e mesmo o Senegal e a Gâmbia, são alguns dos países onde pude deliciar-me com estas sensações.
Mas nunca esqueci as praias de Angola. Especialmente quando isso deixou de significar apenas as praias de Luanda e arredores, tão boas quanto as de Lisboa, mas afectadas pelo mesmo problema: são demasiado frequentadas por banhistas.
No dia que para os portugueses ficou assinalado, definitivamente, com o ínicio antecipado da época balnear de 2010, contrariando o ditado que reza que “em Abril, águas mil!...” — e talvez para compensar Março passado, que foi um dos meses mais chuvosos das últimas três décadas em Portugal — eu começei também a contagem decrescente para mais uma viagem a Angola. E não pude deixar de recordar-me da última praia onde estive, o ano passado, na viagem anterior por terras angolanas.
Chama-se Carimbe e situa-se logo a sul da foz do rio Queve, entre Porto Amboim e Sumbe. Trata-se de um paraíso perdido no sul de Angola, onde até as vacas vão à praia, para aí adormecerem todas as noites, como que embaladas pelo ritual do sol a descer vagarosamente até se esconder sob o Atlântico, tingindo o céu de um laranja forte que demora a escurecer. E quando a noite finalmente caí, nem se ouve um mugido. Apenas o sussurro da rebentação…



Quando o dia está quase a partir, as pirogas dos pescadores descem o Queve até à lagoa junto a Carimba. Na aldeia que dá nome à praia, ao jantar nunca falta peixe fresco do rio.

A neblina, húmida e salgada, chega do mar ao fim da tarde e toma conta do areal de Carimba pela noite dentro. Por vezes, não levanta senão já o sol vai alto.

Mais um dia que chega ao fim. Em poucos segundos o sol vai desaparecer sob o Atlântico. É o sinal para o gado que é recolhido numa cerca bem no meio da praia se deitar na areia e adormecer...

Quando chega a noite, a praia de Carimba adormece embalada pelo pôr do sol e pelo sussuro da rebentação das ondas no extenso areal.